domingo, 25 de janeiro de 2015

C'aféeto, fragmento.

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- Sinto sua falta.
É tudo que ouço após atender o telefone no meio da noite, e apenas isso, sem identificação, sem números, nem mais uma palavra. Apenas isso, apenas esse baque seco. Mas eu sabia quem era, era impossível não reconhecer aquela voz, que por tantos anos me acompanhou... Assombrou, seria a palavra adequada. Passei o resto da noite remoendo lembranças. E por fim, engoli o medo e disquei aqueles números que conhecia muito bem.
- Por que você faz isso?
- Me desculpe, acontece.
- Você sempre volta pra lembrar que não posso ficar em paz não é? Tenho que ficar triste por você estar bem.
- Quem disse que estou? Porque você sempre acha que estou tão bem assim?
- Porque não fui eu quem foi embora. Não fui eu que sai de manhã e nunca mais voltei.
- Eu sinto muito. - E após alguns segundos em silêncio - mesmo.
- Eu é quem sinto.
Desliguei o telefone, pois aquilo não levaria a nada. E já começava a me afogar de novo nas lembranças e marcas que ele deixara. Passou-se um ano inteiro até que conseguisse isso, esse telefonema sem nenhum sentimento. E tenho tantas coisas para falar, sobre o modo em que o odeio profundamente, por tudo que ele me fez passar sozinha. Mas era de se esperar, pois sempre que uma nova amizade se iniciava, ele me esquecia durante uns tempos.
Por fim, peguei no sono pensando em todo desafeto que ele deixou, e o que restara de mim após sua partida. Apenas o tinha e ninguém mais.
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